TEXTO DE Fábio Marton
O grupo de
"reencenadores históricos" mais odioso e truculento do mundo parece
não gostar muito de ser confrontado com a própria história. Uma equipe liderada
pelo sociólogo da ciência Aaron Panofsky, da Universidade da Califórnia, Los
Angeles, acompanhou a conversa de 600 pessoas nos fóruns do site supremacista
branco Stormfront.org - o mais "tradicional" deles, fundado num
longínquo 1996. Eles comentavam sobre os resultados de seus testes de
ancestralidade genética. Ainda que alguns deles tenham conseguido o que
queriam, mostrando ser 100% germânicos ou nórdicos, outros tiveram notícias bem
diferentes.
Na apresentação de
seu estudo, Panofsky revela algumas conversas. "Olá, vieram meus
resultados de DNA e aprendi hoje que sou 61% europeu", comentou um dos
membros. "Sou muito orgulhoso de minha raça branca e minhas raízes
europeias." Recebeu a seguinte resposta: "Preparei uma bebida para
você. É 61% pura água. O resto é cianeto de potássico. Imagino que você não
tenha problemas em bebê-la... Cianeto não é água e VOCÊ não é branco!".
Mas há
solidariedade mesmo entre neonazistas diante da "tragédia". Segundo
Panofsky, respostas como a acima são raras e reservadas a quem os membros do
fórum consideram como trolls. Geralmente, o que se tenta é por panos
quentes. "O exame de minha irmã adotiva deu o haplogrupo L3", foi
postado. "O que quer dizer que ela tem que ter origem africana... É
possível a uma pessoa branca ter esse haplogrupo? Ela é alta, tem cabelo loiro
liso, olhos verde escuros, pele pálida e absolutamente nenhuma característica
da ancestralidade africana." Neste caso, as repostas falavam em
contaminação da amostra, na possibilidade de o L3 aparecer alguns grupos
caucasianos e - essa vai soar familiar aos brasileiros - branqueamento.
Pois é,
neonazistas e teóricos raciais brasileiros da República Velha tem algo em
comum. "Ancestralidade não europeia no DNA autossômico [isto é, dos
cromossomos não sexuais] não é bom, mas o DNA autossômico não branco pode ser
diluído pela metade a cada geração", afirmou um dos membros do fórum. Essa
mesma pessoa demonstrou logo a seguir um peculiar preconceito contra genes:
"Eu sou mais estrito com o DNA do cromossomo Y e mitocondrial porque esses
haplogrupos são passados de pai para filho e mãe para filha, permanecendo
intactos indefinidamente". Essa parte é cientificamente correta, mas então
ele pula para uma conclusão ridícula: "A mulher birracial de uma mãe
branca [e pai negro], ou o homem birracial de um pai branco são os menores dos
dois males quando se fala em assimilação potencial." Para o supremacista
em questão, alguém pode ser embranquecido desde que não seja na parte de sua
genética que continua a indicar uma ancestralidade não europeia.
Em outro
tópico, alguém pedia conselhos sentimentais - porque, lembra Panofsky, o
Stormfront é também um local de paquera e grupo de suporte entre supremacistas
brancos. "Comecei a me encontrar com uma mulher que é realmente
inteligente, bonita, divertida e estilosa... exceto por ela ter mencionado que
um tatatataravô era nativo-americano... Isso me perturba... que exista DNA
nativo-americano preso em seu pool genético e que pode reparecer de
tempos em tempos. Estou sendo crítico demais?"
Outros
neonazistas partem para a negação direta ou teorias da conspiração.
Famosamente, o supremacista Craig Cobb foi informado na TV, ao vivo,
que era 14% africano. "Espere um minuto, espere um minuto, segura aí, só
espere um minuto", respondeu atabalhoadamente, com um sorriso amarelo.
"Isso é o chamado ruído estatístico."
No
Stormfront, alguém foi mais criativo: "Vê só? É por ISSO que não recomendo
esses testes para as pessoas. Eles por acaso se lembraram de falar que havia
Brancos [sic, em maiúscula] no que é hoje o Senegal muito tempo atrás? Não?
Eles te levaram a acreditar que você é mestiço quando, na real probabilidade,
você simplesmente é aparentado a um idiota Branco que deixou seu DNA entre os
locais do que é hoje o Senegal".
Por fim, uma
resposta bem clássica. Quando estavam realmente contra a parede, alguns membros
disseram que exames de ancestralidade genética são uma conspiração judia. Para
convencer as pessoas que não existem raças.
"Interpretações
de nacionalistas brancos dos testes genéticos são importantes porque refletem
mais que simples ignorância ou incompreensão da ciência", afirma Panofsky.
"A maioria dos genticistas de população ficariam horrorizados em ver sua
pesquisa baseada em variação genética usada para classificações tipológicas
[isto é, racistas] do ser humano. Mas o que os testes também fazem é dar uma
nova infraestrutura para racistas defenderem sua teorias sem base com uma
estampa tecnológica e científica, e convencer e mobilizar outros de seu
mito."
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