11/08/2020

Como o Brasil desperdiça os royalties do petróleo











SP, Rj e muitos de seus municípios receberam, em 2009, cerca de R$ 25 bilhões por estarem diante das jazidas petrolíferas. Quase sempre gastam recursos sem planejamento ou visão estratégica alguma, como se o óleo durasse eternamente







por Opera Mundi







Por Carla Borges Ferreira, no Opera Mundi




Ao longo dos últimos anos, os campos de petróleo e gás natural do pré-sal impulsionaram um boom de produção. A descoberta destes campos provocou um leve deslocamento na concentração da produção nacional: da Bacia de Campos para a Bacia de Santos. Em comum, ambas têm produção em mar e estão em grande parte localizadas em confrontação com o estado do Rio de Janeiro, que concentra, atualmente, 76% de toda produção nacional.




O importante crescimento da produção e sua mudança de localização, apesar da manutenção em um estado historicamente produtor, implicou em um novo desenho da distribuição das receitas de royalties e de participações especiais entre os municípios fluminenses confrontantes com os novos campos do pré-sal. Além disso, transformou municípios paulistas em importantes beneficiários desses recursos, assim como o próprio estado de São Paulo. Mas para além da mudança na distribuição dos royalties, houve ainda um incremento significativo no volume de recursos distribuídos.




Para se ter uma ideia da dimensão, em 2019, os municípios do estado do Rio de Janeiro receberam R$ 6,99 bilhões em participações governamentais pela exploração do petróleo, 110% a mais do que em 2010 (R$ 3,33 bilhões). Já os municípios de São Paulo somaram R$ 1,49 bilhões, 700% acima do que foi recebido em 2010 (R$186,16 milhões).










Em relação às receitas distribuídas aos estados, houve aumento de 110% no caso do Rio de Janeiro, onde os recursos chegaram a R$ 13,40 bilhões em 2019. Já São Paulo, os R$ 2,27 bilhões recebidos em 2019 representaram um aumento de mais de 12.400%.




Este crescimento das participações governamentais reflete um importante aumento da produção, combinado com os elevados preços do barril de petróleo praticados ao longo de 2018 e 2019. Diferentemente deste período, já nos primeiros meses de 2020, acompanhamos a queda vertiginosa dos preços do barril. Se em 2019, o preço médio do Brent era de US$ 64, de janeiro a maio de 2020, a média ficou em US$ 40. Caso o preço se mantenha neste patamar, ele poderá gerar um impacto negativo nos royalties e participações especiais a serem recebidos pelos entes nacionais neste ano.




O caso do pré-sal, no entanto, é diferente. Isso porque o crescimento na produção pode minimizar o efeito da queda nos preços. Inclusive ao considerarmos que o câmbio muito desvalorizado auxilia para que a queda do preço em reais não seja tão agressiva.




Obviamente a queda nos preços frustrou as projeções de arrecadação feitas antes da crise. Os orçamentos a serem executados este ano foram montados com estimativas de preços do barril médios próximos a US$ 60, valor muito acima da média nos primeiros cinco meses deste ano.




Ainda assim, essa frustração tende a ser minimizada tanto pelo crescimento vertiginoso da produção no pré-sal e pelo preço do dólar.




Destinação dos royalties

Além das mudanças nas receitas, é preciso problematizar a utilização dos royalties e participações especiais. Estados e municípios se tornam beneficiários das participações governamentais de acordo com sua posição em relação à localização da produção e, pelo que se observa historicamente, em muito pouco seus gastos se realizam atentando para a finitude desses recursos.




A dinâmica de produção do petróleo raramente é levada em conta. Por isso, não raro observamos impactos devastadores paras as contas públicas locais em municípios e estados que têm perdido, ao longo do tempo, recursos de royalties pela redução da produção em seus territórios ou nos campos vinculados a eles. Isso acontece justamente por esses estados e municípios tratarem esses recursos como algo duradouro, e não finitos.




O emprego das participações governamentais em gastos correntes torna o orçamento público dependente destes recursos. O ideal é que estas receitas fossem empregadas em um projeto de transição para um futuro em que a produção de petróleo e gás natural não mais impactasse o ente público, tanto em termos fiscais como econômicos.




Mesmo no cenário atual de pujança na produção, existe um grau de imprevisibilidade da receita em função da alta volatilidade dos preços do barril de petróleo, conforme verificamos nos últimos meses. Essa imprevisibilidade pode levar a considerável descontrole nas contas públicas municipais e estaduais.




Não existe determinação legal efetiva para o gasto deste tipo de receitas. Por isso, diferentemente do que historicamente temos visto, seria importante uma mudança de entendimento dos gestores para garantir um maior equilíbrio das contas públicas e para que a dádiva dos novos recursos não se torne um infortúnio.




Carla Borges Ferreira é socióloga, mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e pesquisadora do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep)

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