A aprovação em
primeiro turno pelo Senado da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que acaba
com o foro privilegiado para crimes comuns trouxe três surpresas e algumas dúvidas.
A PEC, se sobreviver intacta até aprovação final, tira o
foro privilegiado quase todas as 38.431 autoridades que têm o privilégio.
Mantém intacto apenas o direito dos presidentes da República, da Câmara, do
Senado e do STF de serem julgados, seja qual for o crime, pela mais alta das
quatro instâncias da Justiça brasileira, o próprio Supremo Tribunal Federal.
Vale lembrar que os crimes cometidos no exercício da
função, como improbidade administrativa, continuam protegidos pelo foro
privilegiado. O que muda é onde serão julgados os acusados de crimes comuns,
como corrupção, se no STF ou na Vara Federal de Curitiba, por exemplo.
Surpresas
Em primeiro lugar, surpreendeu a rapidez com que a
medida, que nem sequer estava em pauta, foi aprovada na quarta-feira. A votação
ocorreu logo após a PEC passar, no mesmo dia, sem dificuldades pela Comissão de
Constituição de Justiça (CCJ).
A segunda surpresa veio com a aprovação unânime e sem
abstenções por 75 senadores de uma proposta que, na prática, retira direitos da
própria classe. Se houve debate, não foi no plenário.
A terceira surpresa veio com a divulgação de um número
pouco conhecido do total de autoridades que, afinal, contam com a proteção,
vista como sinônimo de privilégio e impunidade no Brasil.
A imprensa vinha falando em mais de 30 mil. De fato, o
total de autoridades cujo foro é garantido pela Constituição Federal é de
38.431, segundo um estudo dos consultores jurídicos João Trindade Cavalcante
Filho e Frederico Retes Lima.
Nesse total, estão incluídos o presidente, ministros,
5.570 prefeitos, 513 deputados, 14.882 juízes, 10.687 membros do Ministério
Público, além de várias outras autoridades do Executivo, do Legislativo e do
Judiciário nas esferas federal, estadual e municipal.
Mas o alcance do foro privilegiado não termina aí. O
estudo dos consultores, citado em coluna do jornalista Eduardo Cucolo na Folha
de S.Paulo, mapeia também o foro privilegiado garantido pelas constituições
estaduais que, em um primeiro momento, não é afetado pela PEC.
São 16.559 pessoas que gozam desse privilégio. Somando as
autoridades protegidas pela Constituição Federal e pelas constituições
estaduais, chega-se a um total de 54.990, que os próprios autores do
levantamento classificam de "espantoso".
A grande dúvida que a aprovação-surpresa gera é o que vai
acontecer com a PEC. O leitor da BBC Brasil Renato Lourenço resumiu sua
opinião: "Foi uma votação só. Faltam 3. Vão postergar até todo mundo
esquecer".
De fato, a PEC ainda precisa ser aprovada mais uma vez
pelos senadores para, em seguida, ser apreciada pela Câmara dos Deputados. Se
os deputados federais mudarem o texto, ela volta ao Senado antes de
eventualmente virar regra.
Dá para esperar a mesma urgência e unanimidade no
processo daqui para frente? Em meio à surpresa, surgiram análises que trazem
explicações nada abonadoras para a decisão histórica dos senadores. "Tem
caroço nesse angu", "É cortina de fumaça" e "Me engana que
eu gosto" foram apenas algumas das reações céticas nas redes sociais.
Críticos dizem que os senadores - e vale lembrar que 29
deles são investigados pela operação Lava Jato - estariam simplesmente
acumulando munição na queda de braço com o Judiciário.
Muitos queriam aprovada uma legislação dura sobre abuso
de autoridade, que permitiria que juízes e procuradores fossem alvo mais fácil
de processos, mas parte dos pontos controversos foi retirada do projeto de lei
também aprovado pelos senadores na quarta-feira, e que agora segue para a
Câmara.
Parcialmente derrotados, levantam agora a bandeira da
PEC, que tira o foro privilegiado também do Judiciário. Vale lembrar que o
próprio STF deve julgar em maio uma proposta do ministro Luís Roberto Barroso
para limitar o foro, mas apenas dos políticos.
Então, o Senado reagiu, talvez também querendo esvaziar
essa discussão no Supremo - o andamento da PEC vai dar argumento pra quem é a
favor da manutenção do foro dentro da corte, de dizer que o Congresso já está
analisando a questão e não cabe ao STF decidir no lugar dos parlamentares.
Mas, para alguns analistas, deputados e senadores podem
alongar eternamente a tramitação da PEC. Como propostas que alteram a
Constituição têm que ser aprovadas com texto idêntico na Câmara e no Senado,
basta ficar "aperfeiçoando eternamente" o projeto, fazendo mudanças e
jogando para lá e para cá.
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