O arcebispo de Brasília e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cardeal Sergio da Rocha, afirmou que, apesar das limitações do sistema eleitoral e da necessidade de reforma política, é preciso valorizar o voto escolhendo os candidatos de modo consciente e responsável. “Aventuras totalitárias, seja de direita ou de esquerda, levam à desventura da opressão e a mais sofrimento para o povo”, disse o cardeal, ao defender um aprimoramento da democracia, que “jamais deverá ser substituída por formas totalitárias de governo”. A seguir, os principais trechos da entrevista.
A Igreja não tem partido. Qual a posição da CNBB nas eleições?
Insistimos na responsabilidade, no exercício consciente da cidadania, alertando para as consequências do voto, para a necessidade de conhecer os candidatos e suas propostas, mas também sua atuação passada na política. Além disso, temos ressaltado a necessidade de respeitar quem pensa diferente. O adversário político não pode ser tratado como um inimigo a ser combatido. Necessitamos mais respeito e diálogo.
Mesmo sem citar nome de candidatos, o sr. poderia traçar o perfil ideal para um governante?
Não podem faltar a honestidade e o serviço efetivo à população. Os políticos não podem governar ou legislar para si ou para interesses particulares. O povo brasileiro tem necessidade de políticos honestos e servidores do bem comum, especialmente dos pobres e fragilizados. Além disso, é fundamental o compromisso com a defesa da vida nas suas várias fases e situações, com a justiça social e a construção da paz.
A classe política vive um momento de desgaste. Existe saída na democracia fora da política?
A política desempenha papel fundamental na sociedade democrática A democracia necessita ser aprimorada de modo a ser cada vez mais participativa. Mas jamais deverá ser substituída por formas totalitárias de governo. A reforma política é necessária, mas no estado democrático de Direito; portanto, com muito diálogo e participação da sociedade civil. Aventuras totalitárias, seja de direita ou de esquerda, levam à desventura da opressão e a mais sofrimento para o povo.
Há ou havia um apelo na sociedade pelo “novo”. Para o sr., o que seria o “novo” na política?
O novo tem a ver com um novo modo de exercer a política, com um basta a negociatas políticas, à corrupção e à gastança do dinheiro público. A política não pode se tornar um balcão de negócios. Negociação política não pode descambar em negociata, com o favorecimento de grupos políticos ou de interesses econômicos em detrimento do bem da população. Novo é quem conseguir expressar este novo modo de fazer política, de honrar o cargo entregue pelo povo nas urnas, atuando, de fato, em favor do povo.
Quais são, em sua avaliação, os principais problemas e desafios que o Brasil enfrenta?
A lista de problemas é grande demais para ser resumida. É lamentável a negação persistente de direitos básicos das pessoas e das famílias, como moradia, trabalho, saúde, educação e segurança. E para responder a eles, não bastam promessas de campanha. Os candidatos para o Executivo e o Legislativo precisam responder de modo concreto a essas necessidades. Não se pode achar normal que as pessoas precisem tentar ganhar na loteria para conseguir uma casa, que enfrentem tantas dificuldades para serem atendidas em hospitais, que queiram trabalhar e não consigam emprego, que existam ainda tantos analfabetos no Brasil, dentre tantas outras situações graves.
As eleições ocorrerão em um cenário de crise econômica e desesperança. Qual o risco num ambiente como esse?
Apesar das limitações do sistema eleitoral e da necessidade de reforma política, as eleições são muito importantes para os rumos do país. É melhor correr riscos, valorizando as eleições e participando delas, do que deixar de votar ou anular o voto. Risco maior se corre quando não há participação na vida política É preciso valorizar o voto, votando de modo consciente e responsável. O risco de não escolher bem não pode ser motivo para negar o direito de escolher nas urnas.
A Igreja pode desaconselhar o voto em algum candidato por causa de sua posição, por exemplo, na defesa do aborto?
A Igreja Católica não se pronuncia a respeito de cada candidato ou de cada partido, mas tem posição clara sobre questões referentes à vida, ao matrimônio e à família, à justiça social e à ética na vida política. Cabe aos eleitores aplicarem os critérios éticos oferecidos pela Igreja ao escolher candidatos. Não cabe à Igreja, de antemão, excluir candidatos, fazendo uma lista, mas sim ao eleitor. O primeiro tribunal eleitoral deve ser sempre a consciência do eleitor.
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